Intervenção do Dr.
João Paulo Constância, diretor da Associação dos Antigos Alunos do Liceu Antero
de Quental, no lançamento do livro “Memórias do Nosso Liceu” realizado a 29 de
março, na Casa dos Açores do Norte, no Porto:
Exmo. Senhor Presidente da Casa dos Açores do Norte, Dr. Ponciano Oliveira, ilustre anfitrião desta cerimónia
Caríssimo
Presidente da Associação
dos Antigos Alunos do Liceu Antero de Quental, Dr. José Andrade, mentor do livro de memórias que hoje
apresentamos
Senhor Presidente em exercício
da Delegação
da Associação
dos Antigos Alunos do Liceu Antero de Quental, Dr. Tavares Rebelo
Senhor vogal da Delegação
da Associação
dos Antigos Alunos do Liceu Antero de Quental, Professor Carlos Carreiro
Exmos Membros dos corpos sociais da Casa dos Açores do Norte
Caros Antigos Alunos do Liceu Antero de Quental
Senhoras e Senhores
Permitam-me, em primeiro lugar, algumas referências de carácter mais pessoal, mas que em boa verdade não consentiria a mim mesmo se as não fizesse. E começaria por expressar o meu gosto especial em estar aqui hoje, na casa dos Açores, e nesta cidade do Porto onde tive o privilégio de viver e estudar.
Feitas as despedidas ao velho liceu de Antero, poucos meses depois de ter completado os 18 anos, lá vim para esta nobre cidade invicta, onde cheguei às 6 da madrugada de um perdido dia de Outubro, de há quase quinhentos anos, vindo de Lisboa no comboio correio. Deixei para trás o Paço do Barão de Fonte Bela, ávido de novas descobertas e experiências. O Porto recebeu-me de braços abertos. Entre venturas e desventuras, recordo com saudade, as amizades que aqui fiz, os jantares dos açorianos, os serões que acabavam com récitas à Rosalia de Castro, os encontros na casa dos Açores e o grupo de cantares que afinava à batuta do meu Amigo Emiliano Toste, onde eu apenas fazia quezzz-quezzz no Pézinho da Vila, resultado da minha incapacidade de manter o tom, característica que herdei de meu Pai. Ele sempre trocou as aulas de canto coral pelo relvado do campo de jogos do Liceu. Mas quis o destino, sorte minha, trazer-me uma família de músicos afinados.
Perdoem-me o desvio à razão que me trouxe aqui: a coletânea de testemunhos que formam estas "Memórias do nosso Liceu".
Mas antes, impõe-se que dirija uma palavra muito especial a três pessoas, sem as quais esta edição não seria possível, não obstante, como é óbvio, de todos os autores dos depoimentos, primeira razão de ser deste livro. Refiro-me, desde logo, a José Andrade, Presidente da nossa Associação, sempre incansável e hiper-activo, que se lançou, e nos lançou, a esta ideia; ao Senhor Ernesto Resendes, sócio gerente da editora Letras Lavadas, que aceitou o desafio da edição, e que a concretizou com a qualidade que é seu apanágio e da gráfica que dirige, fazendo justiça aos muitos prémios que tem recebido; e, claro, à Maria João Ruivo, pela sua organização, pela sua paciência e pela competente leitura dos textos, em inúmeras revisões.
Não posso igualmente deixar de fazer referência ao que foi, para nós, o inesperado êxito desta iniciativa e das sessões de lançamento anteriores: em Ponta Delgada, na solene biblioteca do nosso Liceu, e em Lisboa, na sede da casa dos Açores. Enalteço os testemunhos e o convívio de várias gerações de antigos alunos que partilham o orgulho de terem passado pelo Liceu de Ponta Delgada.
Por diversas vezes, tenho-me questionado sobre o porquê desta tão forte ligação ao nosso Liceu de Antero. E, como seria de esperar, ocorrem-me inúmeras razões, todas elas válidas. Entre todas elas, prendo-me no paradigma temporal.
Na adolescência-juventude, o tempo tem outra dimensão. Tudo parece infindável. É o tempo do tempo longo. Onde há tempo para tudo, e onde há dias e horas que custam a passar. E do passado não há ainda grande memória e é o futuro que reclama toda a atenção.
As memórias só se vão tornando afectivas com o tempo, ou melhor, com a distância no tempo. À medida que ele passa, começamos a dar mais valor ao que vivenciámos e a perceber a real importância que tiveram esses anos de juventude, onde formámos as nossa personalidade e onde tantos rumos da nossa vida se decidiram.
Chegados ao tempo do tempo curto, estas memórias afectivas dão razão e valor às nossas vidas e apaziguam-nos com esta dimensão.
"Esta extraordinária discrepância entre o tempo no relógio e o tempo na mente, é menos conhecida do que deveria ser e merece mais investigação", como dizia Virgínia Woolf.
Hoje, conto semanas. Já não conto dias. Os dias tornaram-se uma unidade pouco significativa para medir a passagem do tempo. Por isso, cada vez mais aprecio a serenidade que as lembranças nos trazem. Para mim, é disto que este livro fala.
Falando do livro, começo pela capa. E um agradecimento especial é devido ao Arquitecto Eduardo Sores de Sousa que concebeu a ilustração que lhe dá brilho e alma.
Entrando no livro, a receber-nos, temos a imagem da principal entrada do paço-liceu, com a sua varanda de ferro e a sua porta de arco, que tantos de nós transpusemos, vezes sem conta. E na página ao lado, José Andrade, no seu proémio, sobrevoa as 5 décadas de testemunhos construindo, com muita mestria, uma narrativa em que cita cada um dos 92 autores, criando um mosaico de impressões coloridas sobre o nosso liceu.
Dos textos, em si, e como imaginam, não vou falar. Não quero roubar-vos o prazer da surpresa, e de descobrirem estórias, emoções e sentimentos. São memórias muito diversas que nos remetem para episódios como a abertura solene das aulas; as récitas e bailes no Ginásio; os saraus na Biblioteca; a criação dos jornais Arco-Íris e Girassol; a “bicha” dos caloiros; os torneios desportivos...
E, como não podia deixar de ser, são recorrentes os nomes dos grandes mestres: José de Almeida Pavão, Eduardo Pacheco, João Anglin, Lúcio Miranda, Armando Côrtes-Rodrigues, Ruy Galvão de Carvalho, Fernando Aires, entre tantos outros.
Os testemunhos abrangem um período de cerca de 50 anos, dos anos 30 aos anos 80. São de Antigos alunos que vieram estudar para o Liceu, oriundos dos vários concelhos de São Miguel, mas também de outras ilhas. Muitos, terminado o Liceu, fixaram-se no Continente, América, Canadá, Brasil, e porque não dizer pelos quatro cantos do planeta. Alunos que viriam a notabilizar-se em áreas tão diversas: Cultura, Artes, Política, Economia, Jornalismo, Desporto e em outras tantas.
De todos os autores, se me permitem, apenas refiro um: o Professor Medeiros Ferreira, recentemente falecido, a título de homenagem. Foi com grande pesar que recebemos a notícia, e ficámos particularmente impressionados porque havíamos recebido o seu depoimento poucos dias antes.
Todos estes testemunhos, que agora reunimos, são, na verdade, um hino de homenagem ao nosso liceu de Antero.
A parte final do livro apresenta uma galeria de fotografias de José Franco, a quem dirijo o nosso agradecimento pela qualidade das imagens que captou. São imagens da actual Escola Secundária, que evocam o velho Paço da Ventura, como lhe chamou João Bento Sampaio. Pela sua singularidade, merece uma referência especial a fotografia de duas jovens, vestidas a preceito, num estilo que eu não sei designar mas que é sinal dos tempos.
A fechar, um belíssimo texto de Maria João Ruivo, não fosse ele filha de quem é - de dois velhos mestres do Liceu: Idalinda Ruivo e Fernando Aires.
Um livro desta natureza é sempre e forçosamente incompleto. Entre milhares de alunos que já passaram pelo Liceu, estes que agora se expressam são apenas uma amostra. Um projecto destes é sempre um ponto de partida. Por isso, não damos por concluída a nossa missão. Vamos continuar a pedir e a recolher testemunhos, estórias e imagens do nosso liceu. Quem sabe se em breve não haverá mais um volume... se para tal nos ajudar o engenho ou fadas do Liceu de Antero, em que todos cremos.
Resta-me agradecer a vossa presença.
Muito obrigado pelo vosso tempo!